“Existem almas vazias que têm sede de sensações fortes para encher seu deserto interior. Elas se inclinam, por isso, para o mal.”( Wilhelm Reich, 1951, p.121)
Talvez você nunca tenha ouvido falar em peste emocional. Talvez nunca tenha lido nada específico a respeito, mas com certeza já deve ter tido alguma experiência desse gênero. A peste emocional geralmente aparece velada, por trás de boas intenções, no intuito de ajudar o outro e a sociedade. No entanto, com o passar do tempo, a pessoa acometida por essa “doença”, vai invadindo todos os espaços, como uma erva daninha invade uma plantação ou um câncer invade um organismo vivo, dominando tudo o que está a seu redor.
A grande maioria das pessoas deve ter acompanhado ou ao menos ouvido algo a respeito do trágico acontecimento do dia 11 de setembro de 2001, que assolou os Estados Unidos e apanhou de surpresa um país que se julgava seguro e intocável. Uma série de características doentias fez com que o homem mais conhecido e comentado nos últimos tempos, Osama Bin Laden, ferisse o coração de uma nação com sua ousadia sócio-psicipática contaminada pela peste emocional.
Enquanto a Humanidade derramava lágrimas de tristeza pelo ocorrido, Osama, seus seguidores e muitos outros, inclusive alguns americanos, todos também contaminados pela peste emocional, aplaudiam a bravura e coragem daquele homem. Não bastasse tal atrocidade, surge alguns dias depois o chamado Anthrax, disseminando-se como erva daninha, da mesma forma que a peste se dissemina e colocando em risco a saúde de toda a humanidade.
O indivíduo acometido pela peste emocional pode estar ao nosso lado, dentro de nossas casas, de nosso circulo de amizades, de nosso trabalho, ou então, ser totalmente desconhecido e estar distante. Mas é real!
Em casa, junto à família, o indivíduo acometido pela peste emocional, em troca de poucos minutos de prazer difama o irmão, o filho, os país e outros familiares, sejam eles próximos ou não. Faz de conta que brinca de esconder coisas importantíssimas, mas esconde de verdade; finge ser o filho ou o pai bondoso, mas odeia quem está por perto e pode atrapalhar os seus planos; tem um espírito vingativo mesmo que leve alguns anos para que suas idéias se concretizem; mata por herança, apólice de seguros, poder e muito mais.
No trabalho, a pessoa que tem a peste até parece ser um bom colega, mas usa uma máscara, quase sempre imperceptível, cujo prazer é denegrir, difamar e destruir tudo aquilo que não foi construído por ele, do jeito dele, submisso a ele. São pessoas que gastam grande parte do tempo desenvolvendo vírus de computador para destruir programas importantíssimos, valiosos, que levaram dias, meses e até mesmo anos para serem construídos, só para ter uns poucos minutos de prazer sádico e doentio, vendo a desgraça dos outros.
Uma pessoa acometida pela peste emocional não aceita discutir os próprios mecanismos da peste. Fica inquieto, zangado e passa a defende-se atacando.Não tolera que ameacem sua couraça ou desmascarem seus motivos irracionais. Luta de maneira irracional contra todos os modos de vida que sejam parecidos co os seus, mesmo que esses não afetem de modo algum. Não se contenta com uma atitude passiva. Tem atitudes destrutivas da vida. Seu pensamento é perturbado por conceitos e emoções irracionais.
Um educador acometido pela peste emocional alega que as crianças são difíceis de educar e por isso seus métodos severos e autoritários são necessários, encontrando toda espécie de argumentos superficiais para apoiar sua convicção de que age pelo bem da criança.
De acordo com Reich (1983), algumas formas de educação, como por exemplo, enfaixar o bebê tolher seus movimentos, alimentar conforme horários estabelecidos pelo médico, avó ou pela própria mãe, amarrar as mãos do bebê, etc, é a expressão da praga emocional do adulto e tem como resultado o encouraçamento do bebê que, posteriormente, fará um esforço desesperado para não se lembrar da possibilidade de prazer na primeira infância. Diz Reich (1983): Quase toda mãe sabe profundamente o que a criança é e do que ela precisa, mas a maioria das mães segue teorias falsas e perigosas, de teóricos superficiais, em vez de ouvir seus próprios instintos naturais.
Uma pessoa acometida pela peste emocional, como não consegue se promover pelo esforço próprio busca se promover por meio da destruição do outro. Em vez de escrever seus próprios livros vive em busca de erros nos livros dos outros para poder criticá-los, no intuito de destruir a qualidade das obras. Apega-se a títulos e se esquece da qualidade de trabalho que o outro pode ter, impedindo dessa forma o progresso; atribui ao outro a culpa e ignorância que são dele próprio; tem inveja e ódio de tudo o que é saudável, denegrindo e esmagando realizações que muitas vezes podem ser honestas e importantes.
Uma pessoa acometida pela peste emocional tem forte tendência a formar círculos sociais e nunca ficar sozinho, ao mesmo tempo em que “caminha com arrogância, tentando destruir sua própria existência e bem–estar maldizendo com criador da vida” ( Reich, 1953, p.279); Fofoca e difamação dão a ele uma satisfação perversa; tem grande capacidade criativa , mas odeia o trabalho, a não ser que o lidere, pois é líder “nato” e sabe muito bem como dominar os mais fracos, apresentando fanatismo religioso e cultural extremista e uma sexualidade geralmente sádica e pornográfica.
Mas que doença é essa?
De acordo com Reich (1933, p.461), “a peste emocional é uma biopatia crônica do organismo”. Nesse caso, Reich utiliza o termo biopatia para se referir a todas as enfermidades causadas por uma disfunção básica do sistema neurovegetetivo, no qual existe um comprometimento emocional muitas vezes acompanhado de um comprometimento físico, por conseqüência.Ainda segundo Reich, (1948), a origem da peste emocional se dá no berço, ou seja, quando existe um contato físico, energético e emocional precário por parte de quem faz a função materna junto ao bebê, seguido de uma educação compulsiva e autoritária, o que dá margem a uma possível desestruturação energética e de caráter, e constitui a base para a manifestação de uma biopatia. Primeiramente, o organismo responde contraindo-se; em seguida, responde com as doenças físicas e ou orgânicas. Reich (1948) procura explicar essa contração do organismo humano a partir do medo, um medo corporal, sentido pelo corpo todo, que se contrai como defesa. É, então, desse medo que também surge à peste emocional, que apesar de não ser transmitida de mãe para filho de maneira hereditária, “É inculcada na criança desde os primeiros dias de vida” (Reich,1933,p.461)
As pessoas acometidas pela peste emocional quase sempre possuem uma quantidade muito elevada de energia biológica, acompanhada de uma rígida couraça caracterológica e muscular. Daí a explicação para a rigidez de pensamento e agressividade, visto que a pessoa acometida pela peste é produto de uma educação compulsiva e autoritária.
Tal como a esquizofrenia ou o câncer, a peste emocional é uma doença endêmica. No entanto, Há uma diferença notável: manifesta-se essencialmente na vida social e está intimamente ligada ao Caráter neurótico. Isso não significa, entretanto, que todo indivíduo neurótico seja acometido por essa doença.
Entre os anos de 1934 e 1944, com a acirrada campanha da imprensa norueguesa, Reich também descobriu os efeitos da peste emocional humana sobre si mesmo e contra a sua pesquisa. E nós, se pensarmos um pouco, conseguiremos identificar momentos em que fomos ou até mesmo continuamos sendo vítimas de indivíduos acometidos por essa doença.
O conceito de peste emocional não implica terapeuticamente em uma depreciação. Como doença que é, pode ser tratada. O importante é sabermos reconhecer a peste emocional em nós mesmo se nos outros e procurarmos ajuda para isso. Se a humanidade soubesse discernir os momentos em que está se sentindo com a peste emocional, se fizesse respeitar e a tratasse, tudo seria diferente.
É bem como diz Reich(1933, p.491): “só o restabelecimento de vida amorosa natural das crianças, adolescentes e adultos pode livrar o mundo das neuroses de caráter e da peste emocional em diversas formas”.
Referências bibliográficas:
REICH, W(1933) Análise do Caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1995. (1948) La Biopatia Del Cáncer. Buenos Aires: Martins Fontes, 1995.(1951) O Assassinato de Cristo. São Paulo: Martins Fontes, 1991. (1953) People in trouble. New york: Farrar, Stratus and Giroux, 1976. (1983) Bambini del Futuro. Milano: Sugar Co Edizioni, 1987.
(José Henrique Volpi)
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